Lar, doce lar

quarta-feira, dezembro 08, 2010


Na tendência de mulheres priorizarem a família em lugar da carreira, algumas decidem voltar a ser donas de casa

Por décadas, as mulheres lutaram por trocar o avental de dona de casa por uma carreira e conseguiram chegar longe: são maioria nos cursos de graduação e pós-graduação e ocupam cada vez mais postos de gerência e diretoria. Mas agora surge um movimento na direção contrária: há mulheres reivindicando o direito de fazer exatamente aquilo que suas avós e as avós de suas avós faziam – cuidar dos filhos e da casa.


Diferentes pesquisas apontam que cada vez mais mulheres desejam priorizar a família. Na classe AB, de acordo com estudo Movimentos Femininos, do Ibope, esse percentual subiu de 8%, em 2005, para 15%, em 2008. Levantamentos com mulheres porto-alegrenses, da Rohde & Carvalho Diagnóstico e Pesquisa, indicam que, entre 2000 e 2007, reduziu-se à metade a parcela de mulheres que coloca a carreira em primeiro lugar. Mas algumas vão além de desacelerar o ritmo: movidas pelo desejo de acompanhar de perto os primeiros anos de vida dos filhos e amparadas por um marido com condições e disposição para ser o provedor da família, optam por interromper a carreira.

– Depois de décadas lutando, a mulher se deu conta de que os múltiplos papéis só estressam, viu que não dava conta de tudo. E fez uma opção – avalia Liliane Rodhe, professora da ESPM e sócia-diretora da Rohde & Carvalho.

Nesse retorno ao lar, as mulheres encontram um contexto diferente daquele vivido por suas avós: elas foram educadas para serem independentes em um tempo em que homens são cobrados a compartilhar direitos e responsabilidades, distantes do provedor à moda antiga.

Há quatro meses, antes mesmo de saber que estava grávida do segundo filho, a agente de viagens Roberta Saltz, 28 anos, decidiu deixar o emprego para se dedicar à filha, Sofia, dois anos e meio: julgava que a menina precisava mais do que quatro horas por dia com a mãe. O marido, o empresário Sandro Saltz, 35, admite que, no início, achou a ideia “meio retrógrada”, mas apoiou a decisão ao perceber que era importante para Roberta e por entender o afastamento dela do mercado como uma fase, até que os filhos fiquem maiores.

– Não estou trazendo dinheiro para casa, mas estou cuidando da nossa filha e da nossa casa. A vida em família está bem melhor – afirma Roberta.

– Está sendo muito positivo. – diz Sandro – Mas é legal ela ter outras atividades, além de casa e filhos, para não cair na mesmice da dona de casa da antiga.

A reinvenção do papel de dona de casa não significa necessariamente esquentar a barriga no fogão. As recém-chegadas são administradoras do lar, contam com a ajuda de empregadas (e eventualmente dos maridos), administram contas e compras, mantêm-se atualizadas, têm mais tempo para si mesmas e para os maridos – embora a prioridade seja os filhos. E apesar de já terem ouvido muito a pergunta “O que tu fazes o dia inteiro?”, afirmam que nunca falta o que fazer: a parada estratégica pode ser também o momento de investir em cursos de especialização de olho na volta ao mercado.

Essa foi a escolha de Lisiane Lahorgue, 33 anos. Ela atuava como coordenadora nacional de eventos e patrocínios de uma empresa de telefonia, viajava o Brasil todo e mal conseguia acertar a rotina com a do marido, diretor de arte de uma agência de publicidade. Decidiram diminuir o rimo para ter filhos e combinaram que ambos tentariam um emprego no Exterior: ele conseguiu primeiro, e Lisiane o acompanhou a Berlim, na Alemanha, lá engravidou e hoje estuda alemão, faz cursos de atualização e prepara a chegada de Alexandre, prevista para outubro.

– Minha mãe quase não acreditou que eu iria largar uma carreira bem-sucedida para cuidar de casa, marido, filhos. Mas minhas amigas, que trabalhavam na mesma área que eu, me apoiavam e diziam que gostariam de estar no meu lugar – conta Lisiane.

A advogada Manuela Monteiro, 26 anos, diz ouvir os mesmos relatos de outras mulheres. Ela deu à luz a Marina pouco antes de se formar, em 2007, e a família aumentou há quatro meses com a chegada de Martín. O plano de ter filhos cedo e de Manuela adiar a entrada no mercado foi uma decisão conjunta com o marido: um projeto afinado com um fenômeno que se esboça nos Estados Unidos, em que as mães, cada vez mais jovens, optam por dar à luz antes de engrenar na carreira.

– Quero curtir meus filhos e depois tenho a vida inteira para trabalhar – diz Manuela. – Minhas amigas dizem para eu aproveitar essa chance.

Por trás do desejo de voltar-se para a família está o afã geral de brecar a correria da vida cotidiana e uma vontade específica das mulheres que, em sua maioria, enfrentam uma jornada dupla administrando carreira, casa e filhos.

– As mulheres perceberam que ocuparam um pouco o lugar que era do homem, mas que ninguém ocupou o espaço dentro de casa – avalia Rubens Hannun, presidente do H2R Marketing em Pesquisas Avançadas, que também detectou a tendência de se voltar mais à família entre mulheres executivas.

Mas feministas veem com desconfiança essa volta ao papel de dona de casa. A historiadora Joana Maria Pedro, coordenadora do Instituto de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina, acredita que essa escolha pode significar no acordo do casal que as crianças são responsabilidade da mulher. E pergunta:

– Por que o marido não fica com as crianças, e elas seguem sua carreira?

No cenário atual, em que mulheres lutam por equiparação de salários, a resposta de Leila Costa, 40 anos, formada em Educação Física e ex-sócia de uma loja de decoração, possivelmente vale para muitas donas de casa por opção:

– Nem pensamos nessa alternativa, meu marido ganhava mais do que eu.

Leila deixou o trabalho para cuidar da filha, Isadora, quatro anos, e hoje, grávida novamente, confecciona bijuterias em casa em parceria com uma amiga.

– A decisão de parar de trabalhar foi fácil. Ficamos muito tempo tentando ter um bebê e sempre falei que não teria um filho para os outros cuidarem.

Em sua dissertação de mestrado, a psicológa Sabrina D’Affonseca, de São Carlos, comparou o desempenho escolar das crianças e indicadores de estresse tanto de famílias em que a mãe trabalhava fora, quanto nas que a mãe era dona de casa. E não encontrou diferenças relevantes – a não ser a culpa das que passavam o dia longe dos filhos e o medo que tinham de, com isso, prejudicar sua educação. Motivos fortes o bastante para impulsionar novas tendências.

Investimento na família

Em 2000, 56% das entrevistadas em Porto Alegre priorizavam a carreira. Esse número caiu para 27% em 2007.

Fonte: Rohde & Carvalho

Em 2005, 8% das mulheres da classe AB enquadravam-se no grupo intitulado “Família é tudo”. Em 2008 o percentual quase dobrou: 15%. São mulheres que se sentem realizadas nos papéis de mãe, esposa e dona de casa.

Na contracorrente

Com a estabilidade financeira, maior escolaridade e crescimento no mercado, as mulheres da classe C descobrem outras realizações além do lar. Em 2003, 67% das entrevistadas diziam realizar-se através dos filhos. Em 2008, foram apenas 45%.

Fonte: estudo Movimentos Femininos, promovido pelo Ibope e pelo Grupo Abril


PATRÍCIA ROCHA - http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2592505.xml&template=3898.dwt&edition=12786&section=1535

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