Hobbits e heroínas

sexta-feira, fevereiro 19, 2016


Por Joseph Pearce - original em The Imaginative Conservative
Tradução: Leonardo Faccioni

“Desde que cheguei a Cambridge como estudante em 1964 e encontrei uma tribo de mulheres feitas vestindo mangas bufantes, acariciando ursinhos de pelúcia e tagarelando animadas sobre os feitos de hobbits, para mim tem sido um pesadelo a ideia de que Tolkien poder-se-ia tornar o escritor mais influente do século XX. O sonho ruim virou realidade. No topo da lista, em lugar de honra como o livro do século, jaz O Senhor dos Anéis.” (W Magazine, Winter/Spring 1997, apud Joseph Pearce, “Tolkien: Man & Myth”. São Francisco: Ignatius Press, 1998, p. 6.)

Essas palavras funestas, lamentando a escolha de O Senhor dos Anéis como o maior livro do século XX em uma abrangente pesquisa nacional de opinião no Reino Unido, foram escritas pela militante feminista Germaine Greer, que ascendeu à fama em 1970 como a autora de A Eunuca (N.T.: The Female Eunuch – tradução livre), um dos livros mais influentes sobre o movimento de liberação feminina. Por que – alguém há de se perguntar – a obra prima de Tolkien tem o poder de causar pesadelos às feministas? O que há no trabalho de Tolkien para provocar reações tão acaloradas?


Talvez a razão óbvia resida em Tolkien designar às suas personagens femininas papeis decididamente femininos. Arwen está prometida a Aragorn, servindo como sua inspiração, mas seu próprio papel direto no enredo é mínimo e definido mais por sua poderosa ausência que por sua presença. Em nível menos grandioso, porém não menos nobre, Rosinha Villa serve como inspiração para Samwise Gamgi durante sua ausência do Condado, e, quando de seu retorno, torna-se sua esposa e a mãe de seus filhos. Éowyn é provada em batalha, derrotando o Rei Bruxo de Angmar, mas encontra sua completude no casamento com Faramir. Sua renúncia ao desejo pregresso por lutar como um homem é descrita por Tolkien como uma conversão de alma, e mesmo como uma cura do espírito:

Naquele momento o coração de Éowyn mudou, ou ao menos ela enfim o percebera. E, de repente, seu inverno passou, e o sol brilhou para ela.
– Estou em Minas Anor, a Torre do Sol – disse ela –; e eis que a Sombra partiu! Não serei mais uma escudeira, nem competirei com os grandes Cavaleiros, e deixarei de me regozijar apenas com canções de matança. Serei uma curadora, e amarei todas as coisas que crescem e não são estéreis. (O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei.)

Embora o abraço da fertilidade por Éowyn e sua disposta rendição ao amor de Faramir constituam um ultraje garantido à leitora feminista, seria erro grosso e grotesco ver a conversão de seu coração como uma derrota para seus poderes como mulher. Seu status como aquela que derrotou o Rei Bruxo não foi diminuído, tampouco negado o fato de que o Rei Bruxo só poderia ser vencido por uma mulher. Com efeito, há significado religioso na vitória de Éowyn sobre o maligno emissário de Sauron. Seu triunfo se equipara ao papel da Santa Virgem que esmaga a cabeça da serpente. Em tal contexto, é significativo que Tolkien tenha concordado com um amigo, o qual comparou a imagem de Galadriel, outra figura feminina notável de sua obra, àquela da Virgem Maria. Tolkien confidenciou que “toda [sua] própria, diminuta compreensão da beleza, tanto em majestade como em simplicidade, [foi] encontrada” em seu amor pela Virgem Mãe de Jesus (Carta 142, para Robert Murray, SJ).


No paralelo simbólico entre os papéis de Éowyn e Galadriel e aquele de Nossa Senhora, vemos a reverência e o respeito com que Tolkien retém suas personagens femininas. Tal reverência e tal respeito deitam em confusão os esforços feministas para lançar sobre o autor de O Senhor dos Anéis o estigma de homem chauvinista que busca espezinhar os direitos das mulheres. Sua fraqueza, se é que possa ser chamada assim, não está em se sobrepor às mulheres, mas em coloca-las sobre um pedestal mais alto que sua cabeça. Seu crime, se é que é um crime, é outorgar às suas personagens femininas uma dignidade talvez imerecida. A reclamação dirigida por mulheres contra o tratamento que Tolkien lhes confere só é razoável se centrada no desejo de serem removidas do pedestal, jamais naquele de serem elevadas do chão. Certas mulheres talvez não mereçam ser tratadas como Tolkien as trata; se assim for, é por não serem dignas de tamanho respeito e reverência. Na análise final, a hostilidade de Germaine Greer para com Tolkien pode ser relacionada à ingratidão da donzela que não deseja ser resgatada do dragão.

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Espero que tenham gostado. Agradeço ao Leonardo a gentileza de traduzir o artigo com exclusividade para o Femina.

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